quinta-feira, agosto 17, 2006

Toni Morrison

Antes de mais nada, resolvi estabelecer os dias da semana em que escreverei aqui. Quem sabe assim não me disciplino mais? Esses dias serão, à princípio, terças e quintas.

Hoje, em especial, não vou falar sobre nenhum livro que li. Vou apenas publicar um trecho do blog do Marcelino Freire, em que ele fala sobre a Toni Morrison, prêmio Nobel de literatura em 1993 e convidada da FLIP deste ano.


CAMILA, MARIANA & THAÍS

As três meninas estavam indignadas: Camila, Mariana e Thaís. "Não foi ela quem falou de fraternidade?". Verdade. A Prêmio Nobel de Literatura, Toni Morrison, sabe bem o que é isso. Crueldade. Ou mais: sabe o que é desprezo. Ou mais: exclusão. Ou pelo menos deveria saber. Explico: as três meninas enfrentaram uma fila de quase duas horas para pedir, em seus cadernos, um autógrafo da Toni. "Só assino no livro". Como? "Não assino em cadernos". Camila, Mariana e Thaís estavam indignadas. "Nós não temos dinheiro para comprar o livro dela". Nem idade. Pô! Uma delas falou feito mulher grande: "Ela está na nossa cidade. Devia nos tratar bem". Como os outros convidados as trataram, sem exceção. As meninas, de pouco mais de dez anos, foram a sensação dessa edição da FLIP. Assistiram a umas dez palestras. Batiam fotos, pesquisavam sobre os autores. Só a Toni, assim, sem dar a mínima. Foram ao coquetel de encerramento. Quem sabe, aqui, a gente consiga? Estavam aflitas, rodeando a mesa da americana. Até que um amigo das meninas resolveu ajudá-las. Venham cá e foram. "Só assino no livro". De novo: "Não assino em cadernos". Não foi ela quem publicou, entre outros, um livro chamado Amor? Oh! Quem acompanhou a cena (jornalistas, escritores, editores) ruborizou. Mas a história não terminou por aí. "Meninas, vocês poderiam comprar balas para Mrs. Morrison?". Aquele amigo das três veio pedir. Hã? Deu vontade de o Prêmio Nobel chupar bala de coco. Vou. Não vou. Vamos. "A gente mostra que a gente é melhor do que ela", disse uma das meninas. Feito mulher grande. Coração sem acreditar. Voltaram lá, com as balas. "Não são essas. São balas de coco", reclamou a escritora. Hã? Tomaram a praça de novo. E voltaram à mesa, com as guloseimas. E sem os autógrafos. Alguém sugeriu às três pequenas: "Vocês deviam ter pegado merda de cavalo. E trazido". Como se fosse um doce típico. Não. Não precisa. Repetiu uma das meninas: "a gente é melhor do que ela". Quem duvida?

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terça-feira, agosto 15, 2006


Noite na Taverna - Álvares de Azevedo

Noite na Taverna é vista por alguns críticos como uma história que segue a narrativa de Macário, também de Álvares de Azevedo, esta inspirada claramente em Fausto. Em Macário, o personagem homônimo divide as cenas com Satã e, ao final do texto, Satã o conduz a uma orgia. Macário observa da janela de uma taverna uma sala fumacenta. Ao redor de uma mesa estão sentados cinco homens bêbados. É neste ponto que começa a narração de Noite na Taverna.

Noite na Taverna é composto por sete partes, das quais cinco são episódios independentes narrados por cinco participantes de uma orgia que ocorreu nesta sala fumacenta. Cada episódio recebe o nome daquele que o narra (Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermann e Johann). Mais do que pelos elementos trágicos e hediondos que a compõe (violentação, corrupção, incesto, adultério, necrofilia, traição, antropofagia, assassinatos por vingança ou amor), a obra impõe-se pela estrutura: um narrador em terceira pessoa introduz o cenário, as personagens, a situação, e praticamente desaparece, dando lugar a outros narradores, as próprias personagens, como já dito, que em primeira pessoa contam, uma a uma, episódios de suas vidas aventureiras.

A unidade da obra se dá pelo local onde acontecem as narrações (na taverna) e às intervenções dos participantes, que formam uma rede entre as narrativas. Além disso, há uma unidade formada pelo clima de assombramento e catástrofe. Na última história, a presença física na roda dos homens de personagens mencionadas em uma narrativa anterior faz com que todo o ambiente fantástico e irreal dos contos se legitime como verídico. Esta estrutura antecipa em vários aspectos a narração da prosa moderna: a liberdade cênica, a dupla narração e suas confluências, a mistura do real ao fantástico, apesar de toda a atmosfera romântica byroniana.

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quinta-feira, agosto 10, 2006


Fragmentos de uma Deusa - Giuliana Ragusa

Neste período pós-Jabuti, vou aproveitar para falar sobre um dos livros premiados, Fragmentos de uma Deusa - a Representação de Afrodite na Lírica de Safo, o segundo colocado na categoria Teoria/Crítica Literária.

Na verdade, não vou discorrer sobre ele. Vou colocar aqui uma pequena monografia que tive que escrever para meu curso de Lírica Grega, na minha graduação Letras Português-Grego, justamente para essa escritora, que foi a minha professora nesta matéria: a dedicada Giuliana Ragusa.

Este texto trata da problemática da definição de lírica grega, milênios após o seu nascimento e com grande parte da documentação, e da própria lírica, destruída pelo tempo ou pelas guerras.

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Problemas de definição da lírica grega arcaica

Apesar de diversos estudos já realizados, ainda existem muitos problemas na definição de lírica. O que seria a lírica grega exatamente? É esse um termo que se refere ao instrumento musical utilizado quando da performance da obra, ao seu metro ou ao seu conteúdo? A dificuldade em se encontrar uma resposta precisa para qualquer uma dessas perguntas está relacionada, dentre outros motivos, ao fato de a poesia lírica ter origem em uma cultura oral, de edição tardia e na forma como foi editada pelos alexandrinos.

Grande parte das definições estabelece o poema lírico como tendo o “eu” como argumento central, ou seja, dentro desta definição, “lírica” se refere a uma poesia feita em 1ª. pessoa, podendo ser contraposta à poesia épica, construída utilizando-se a 3ª. pessoa. Entretanto essa conceituação, que nos remete a Platão e Aristóteles, está longe de ser definitiva pois mesmo dentro de suas obras a classificação épica / lírica / drama não é tão clara. Platão não se refere à “lírica”, mas a “melos” que significa, originalmente, “música” (possivelmente se referindo à poesia sendo articulada com música). Já Aristóteles se refere à tragédia, epopéia e poesia ditirâmbica, aulética e citarística. Ou seja, a partir das obras de ambos os pensadores não se verifica a existência de uma “teoria lírica” definitiva.

Outra definição dada para lírica é a que a considera como manifestação advinda pós obras homéricas. Essa separação entre períodos (homérico e lírico) afirma que no período homérico o homem ainda não possuía consciência de si mesmo e quando a noção de indivíduo começou a surgir como suposta consequência do desenvolvimento da sociedade grega, surgiu também a poesia lírica. Entretanto não há evidências dessa precedência histórica da épica. Ao contrário, alguns estudos de métricas e de outros aspectos da linguagem poética revelam elementos de continuidade entre ambas as poesias e até mesmo a possibilidade da lírica ser anterior à épica. Além disso, essa hipótese leva em conta que os períodos históricos são claramente marcados na linha do tempo, ou seja, que a História se move em degraus o que, obviamente, não condiz com a realidade. Já a alegada auto-consciência própria e exclusiva dos poetas líricos também não pode ser tomada como verdadeira visto que já pode ser observada nos poemas hesiódios (Os Trabalhos e os Dias e Teogonia).

Um outro grande erro no qual críticos e/ou estudiosos incorrem é o de considerar a lírica como manifestação do “eu” do próprio poeta, assumindo uma perspectiva de análise dita biografista. Possivelmente esse tem origem em três fatores: na escassez de material que trate da vida dos poetas, o que faz extremamente sedutor o uso dos poemas para se tentar reconstruí-las, no uso frequente da 1ª pessoa e no fato de que na Antiguidade as composições dos poetas eram lidas como biográficas. De qualquer forma, trata-se de uma leitura modernizante e equivocada da lírica grega por remontar ao conceito romântico e hegeliano de poesia do século XVIII. Mesmo que a obra represente sentimentos vividos pelo autor, não se pode esquecer que existe um caminho percorrido entre esse sentimento e a construção do poema, um caminho que passa por filtros, construções linguísticas, etc, reelaborando e transformando os elementos. O uso de lugares-comuns (tópoi) na construção das obras poéticas é um indício da construção racional da mesma pelo autor (Achcar). Como afirmaram René Wellek e Austin Warren em Teoria da Literatura:

“A relação entre vida particular e a obra não é uma simplista relação de causa e efeito”. (p. 93)

Limitar o campo semântico da lírica a temas como amor, subjetivismo, sentimento, sofrimento passional, também remonta ao conceito de poesia romântica do século XVIII, além de deixar de fora inúmeras obras e fragmentos considerados líricos, mas que tratam de assuntos sexuais, vitupérios ou que se tratam de sátiras.

E há quem associe o tema da efemeridade humana à lírica grega. Mas, neste caso, como seriam consideradas as narrativas históricas encontradas entre os poemas elegíacos e jâmbicos?

Talvez uma definição mais próxima do ideal seja a de Jakobson, que afirma que, na lírica, a função poética da linguagem, centrada na organização da linguagem, se associa à função emotiva, centrada no emissor. Entretanto mesmo essa definição acaba falhando ao deixar de lado poemas como o de Safo (ACHCAR, p. 42), que não possui um eu lírico definido.

Finalmente, convém ressaltar que qualquer consideração já feita por estudiosos ou mesmo aqui neste texto não é, em hipótese alguma, definitiva, visto que o que nos restaram são, na maior parte, apenas fragmentos e textos lacunares. Toda afirmação, então, deve ser feita considerando esta perspectiva.

Tendo em vista tantos empecilhos em classificar e encontrar um padrão para “encaixar” a lírica grega arcaica, não é à toa que muitos a classificam por exclusão: lírica é aquilo que não é poesia épica e nem dramática.

Bibliografia
ACHCAR, Francisco. Lírica e Lugar-Comum. São Paulo: Edusp, 1994.
RAGUSA, Giuliana. Fragmentos de uma deusa: a representação de Afrodite na lírica de Safo. Ed. da Unicamp, 2005.

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