sexta-feira, maio 19, 2006

Contos Fantásticos do Século XIX - escolhidos por Ítalo Calvino

Tenho uma certa implicância com coletâneas de contos de autores diversos. Não me sinto à vontade porque não consigo me aprofundar no estilo deles; um conto apenas de cada não me permite ter muitas idéias a este respeito.

Resolvi abrir mão da minha implicância no final do ano passado, quando meu (maravilhoso) professor de Literatura Brasileira indicou “Contos Fantásticos do Século XIX”. Os contos desse volume foram selecionados por Ítalo Calvino e (óbvio) são exemplos de literatura fantástica.

Para quem não sabe, a literatura fantástica é diferente da literatura chamada “maravilhosa”. Um exemplo do maravilhoso na literatura é o livro “As Mil e Uma Noites”. No maravilhoso, o leitor mantém uma certa distância do que lê no sentido que ele sabe que aquilo é fruto de uma imaginação, seja particular, seja de um povo, seja de uma época. Na literatura fantástica há uma mistura entre o real e o absurdo de forma que o limite entre um e outro fique meio obscuro. Quem lê uma história fantástica não consegue dizer exatamente onde está a virada mundo real-fantasia.

Resolvi abrir uma exceção lendo este livro de coletânea para conhecer mais de perto o “fantástico” e – adivinhem? – não me arrependi nem um pouco.

Em primeiro lugar, porque um livro de contos de diferentes autores não nos dá uma perfeita idéia do estilo de cada um, mas faz com que sejamos apresentados a novos ou a desconhecidos. Depois, é só ir atrás de mais. O livro ainda me ajudou a entender e conhecer melhor o que é o “fantástico”, além daquele programa idiota que passa na Globo aos domingos à noite.

Muito interessante foi descobrir que escritores como Gogol, Balzac, Dickens e Maupassant se enveredaram neste mundo. Confesso que foi uma grande novidade. Mais compensador ainda foi ter contatos com alguns contos clássicos do gênero como os de Hoffman e Poe.

Mas atenção: aconselho fortemente que só leiam a introdução antes de cada conto apenas após a leitura do mesmo porque o Calvino fez o favor de contar algumas coisas nas introduções que acabam com o efeito surpresa.

"O elemento sobrenatural que ocupa o centro desses enredos aparece sempre carregado de sentido, como a irrupção do inconsiente, do reprimido, do esquecido, que se distanciou de nossa atenção racional. Aí está a modernidade do fantástico e a razão da volta do seu pretígio em nossa época".
Ítalo Calvino, na introdução ao livro “Contos Fantásticos do Século XIX”

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quinta-feira, maio 11, 2006

Modernidades

Meu podcast: http://www.butterfly.podomatic.com/

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segunda-feira, maio 08, 2006

Onde a Angústia roendo um não de pedra
Digere sem saber o braço esquerdo,
Me situo lavrando este deserto
De areia areia arena céu e areia.....

[Estrofe inicial do livro O rei menos o reino, de Augusto de Campos]

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sexta-feira, maio 05, 2006


A se pensar

"... Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles.

Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo.

...

A respeito desses dois lados da literatura, convém lembrar que ela não é uma experiência inofensiva, mas uma aventura que pode causar problemas psíquicos e morais, como acontece com a própria vida, da qual é imagem e transfiguração. Isto significa que ela tem papel formador da personalidade, mas não segundo as convenções; seria antes segundo a força indiscriminada e poderosa da própria realidade. Por isso, nas mãos do leitor o livro pode ser fator de perturbação e mesmo de risco. Daí a ambivalência da sociedade em face dele, suscitando por vezes condenações violentas quando ele veicula noções ou oferece sugestões que a visão convencional gostaria de prescrever. No âmbito da instrução escolar o livro chega a gerar conflitos, porque seu efeito transcede as normas estabelecidas.

Numa palestra feita há mais de 15 anos em reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência sobre o papel da literatura na formação do homem, chamei a atenção entre outras coisas para os aspectos paradoxais desse papel, na medida em que os educadores ao mesmo tempo preconizam e temem o efeito dos textos literários. De fato (dizia eu), há “conflito entre a idéia convencional de uma literatura que eleva e edifica (segundo os padrões oficiais) e a sua poderosa força indiscriminada de iniciação na vida, com uma variada complexidade nem sempre desejada pelos educadores. Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver”."


In: Vários Escritos - O Direito à Literatura, de Antônio Cândido.

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quinta-feira, maio 04, 2006

Quero ir na City Lights!
(do site Cronópios)

4/5/2006 00:56:00A Geração Beat em San Francisco e a Liberdade de Expressão – City Lights Book Store - parte II
Por Paula Valéria Andrade

Se alguma cidade americana merece o titulo de “parada dos Beats” esse lugar é a cidade de San Francisco. Podemos considerar que aqui sim, foi o lugar e o “point” dessa geração de poetas e escritores anarquistas e revolucionários nadando contra a corrente da cultura tipicamente comercial e esmagadora de seu proprio pais. Nao podemos esquecer que New York pode se auto intitular como o berço dos Beats, lugar aonde o movimento de fato nasceu. Porém, o grupo literário chegou a sua maturidade e apogeu nacional quando articulado por aqui, na democrática cidade banhada pela baía. Foi nela que ele se enraizou expandindo seus frutos literários por todo o mundo.

Em 1950, o magnético charme de San Francisco atraiu escritores inventivos, artistas das mais variadas categorias e pensadores estudiosos e determinados contra o conservadorismo dos anos consequentes ao pós-guerra. Além do bom clima da Califórnia, as universidades e seus activistas políticos, o permitido espaço de liberdade sexual e individual e o clima natureza, paz e amor. Todos mixados num milk shake de fortes possibilidades para a literatura e suas narrativas.

Liberdade intelectual essa vigente que aflorou ainda mais com a chegada da publicação de "Howl" o livro de Allen Ginsberg lancado em torno dos anos 1960. A partir de então, San Francisco foi literalmente o porto ancorador para esta nova geracão de radicais em busca de inovações sociais. Tudo isso preparando o clima para a grande mudança comportamental que chegou mais tarde nos anos 70. Nao podemos esquecer tambem que Henry Miller manteve sua casa “além do paraíso” no Big Sur, que fica há duas horas da Bay Area. Mas isso é assunto para um próximo artigo.

A City Lights magazine foi publicada como uma irreverente revista apenas em cinco números. Por uma razão de motivos, Martin (ver artigo anterior) decidiu retornar a Nova Iorque. Com isso, Ferlinghetti comprou sua parte na sociedade por mil dólares em janeiro de 1955 e resolveu trabalhar em suas próprias idéias para o negócio. Por conta de sua formação acadêmica em Sorbonne - Paris, Ferlinghetti estava familiarizado com a tradição dos livreiros atuarem também como editores em muitas circunstâncias, inclusive para projetos especiais. Além disso ele desejava publicar pequenas edições de poesia em formato de livros de bolso com capas de papel ao invés das capas duras, mais caras e formais.

A primeira publicação da City Lights foi a coleção de imagens do “The Gone World” em 1955 com 500 cópias impressas pela refinada gráfica de David Ruff. Este foi o best-seller da época da série dos livros de bolso (Pocket Poets Series), inspirada por um similar francês editado como série dos “Poetas de Hoje” (Poets of Today series).

A partir disso com o sucesso do formato, publicaram o “Trinta Poemas de Amor em Espanhol” (Thirty Spanish Poems of Love) e “Exílio”(Exile) traduzido por Kenneth Rexroth. Em seguida vieram o “Poemas de Humor e Protesto” (Poems of Humor & Protest) de Kenneth Patchen, o famoso “Howl e outros poemas” de Allen Ginsberg, o “True Minds” de Marie Ponsot, e o “Here and Now” de Denise Levertov. Estes livros naturalmente tornaram-se a “prata da casa” e são reeditados periodicamente como os clássicos da City Lights, através de todos estes anos do seu fomento de poesia e arte independente.

O espaço da poesia Beat
Um dos últimos boêmios remanescentes da época, o Henri Lenoir, fundou o bar Vesuvio, vizinho de porta da livraria. Ele morava no segundo andar do prédio, literalmente em meio aos livros, numa das salas destinadas para o espaço de leituras e encontros poéticos. Até hoje, o espação para poesia continua o mesmo. E constitui-se em uma das maiores coleções e acervos de poesia comparada a qualquer livraria dos Estados Unidos ou até mesmo do mundo. São milhares de livros dos mais variados autores em diversas línguas. Desde Auden até Zukofsky, sem contar as seções especializadas e destinadas para literatura Beat. São poetas publicados pela City Lights, livros sobre crítica, antologias nacionais e internacionais de poesia. Além disso, frequentemente realizam eventos de leituras, festas do livro e noites de autógrafos. O calendário com as datas e horários fica disponível no próprio mural da livraria além de outros lugares do bairro, também descolados e “cults” de NorthBeach. E por último, encontramos uma pequena seleção de livros usados. Um reflexo do eco do desejo de Ferlinghetti`s , já que sua idéia original foi a de montar uma livraria desses livros de segunda mão, o nosso famoso sebo, em português. Com isso, todo o espaço mantém uma atmosfera especialmente “vintage”, como um relicário intacto pelo tempo.

Fica claro o contraste entre o clima de antiquário da City Light e as novas livrarias de cadeias corporativas, estas de espaço limpo, super iluminado e com cores claras se opondo a madeira escura dessas prateleiras que ainda sabem contar muita estória literária.Ocupando todo o restante do segundo andar, funcionava o escritório da City Lights editorial enquanto a livraria funcionava logo abaixo. Em 1960 Ferlinghetti comecou a contratar assistentes por meio período, entre eles os nomes de Joanne Joseph, Stella Levy, Jan Herman and Gail Chiarrello.

Em 1971, ele convenceu Nancy J. Peters – na Época funcionÁria da biblioteca do Congresso – para trabalhar em um projeto especial. Impressionado com sua inteligência e seu conhecimento literário acabou convidando-a para permanecer tempo integral no emprego. Desde então, atuou como diretora da empresa ao lado de Ferlinghetti. Sendo assim, ela passou a ser o coração e o espírito condutor do negócio. Ele ainda a considera hoje, como uma das melhores editoras profissionais do país. Em seguida Bob Sharrard começou a trabalhar como contador na loja em meados dos anos 70. Hoje, ele atua como o editor sênior e gerente de direitos autorais subsidiados por fundações. Elaine Katzenberger, que também começou seu trabalho na loja antes de entrar para a equipe de editores, tornou-se posteriormente diretora associada da empresa.

Atualmente, a City Lights publica não somente poesia e ficção – incluindo a grande parte de traduções - mas também livros sobre assuntos políticos e sociais. São mais de 100 livros publicados -dentro de uma linha independente das grandes corporações distribuidoras- e uma média de doze novos títulos a cada ano. As publicações assim como a loja, são basicamente famosas e reconhecidas por seu profundo comprometimento com uma democracia radical, além claro de uma política extremamente progressista. Como eles colocam muito bem no website, "Sem a editora por detrás, a loja seria apenas mais uma livraria independente perdida no meio de outras, mas trabalhando em conjunto, ambas realizaram algo de positivo impacto na cultura americana."

Em 1984, Ferlinghetti trouxe Peter como um novo sócio em um momento em que o negócio estava passando por um sério stress financeiro. Com a equipe de Paul Yamazaki, Richard Berman, Scott Davis, Gent Sturgeon, Andy Bellows, Lara Whitney, Jeff Battis, Janaki Rampura, Karl Bauer, Don Campana, Esther Morales, Luke Carmody, Mitra Ganley, Matthew Gleeson, Chanté Mouton e Tan Cao, a City Lights continuou sua trajetória e fama de excelente combinação de livraria-editora independente. Nos últimos anos, o mesmo Peter Maravelis - coordenador de eventos - organizou inúmeros e memoráveis encontros de literatura; o assessor de impresa Stacey Lewis mantém City Lights nos noticiários da mídia e o website criado por Eric Zassenhaus faz a convergência entre os importantes aspectos da loja/editora: a história, o estoque de livros, o departamento de pedidos por correio, eventos e divulgação de novidades em produtos e imprensa.

Finalmente em julho de 2001, o Conselho Supervisor de San Francisco nominou com unanimidade o prédio da City Lights Bookstore como o marco da cidade (Landmark) número 228. Tudo isso em função de “seu papel fundamental em fomentar desenvolvimento cultural e literário em San Francisco, atingindo toda a nação; e também por proteger e restaurar a livraria City Lights (em especial após o terremoto) e por publicar e proporcionar voz para escritores e artistas em todos os lugares.”

Agora, após meio século apoiando o direito à leitura, ao pensamento livre de opressões políticas, à escrita, ao debate e interlocução sobre controvérsias, City Lights de fato virou um símbolo do espírito questionador e intelectual americano. Desde Des Moines e Paris passando por Delhi e até mesmo Sidney na Austrália, as pessoas que vieram visitar o reconhecido lugar da livraria - com sua fama internacional - puderam conferir tudo com os próprios olhos e sem decepção. E ainda perceber claramente que este é o lugar do bom “ponto” de encontro em literatura e poesia na cidade.

E como Ferlinghetti costuma dizer, “Num tempo em que o consumo dominante de TV dirige a cultura e a vida das pessoas para um resultado desastroso de estupidez (‘dumbing down’) na América do Norte, City Lights ainda põe o dedo no buraco da ferida e provoca um fluxo de pensamento e aprendizado instigante sobre o desconhecido.”

Por falar nisso, a revista canadense "Adbusters" (subtítulo: Journal of the Mental Environment) nesta edição de Maio/Junho toca exatamente neste assunto sem retoques. Aliás, eles sempre estão na mira da mídia e suas ciladas de lavagem cerebral: políticas/conceituais/econômicas.E não só nos paises de língua inglesa, mas também no mundo todo. O artigo "The Media Carta Legal Battle: Back on Track" coloca exatamente a questão do direito da liberdade de expressão e opinião através de qualquer mídia, principalmente a televisiva. O artigo está na home do website e conta como a posicão anti-consumo da revista a impede de ter seu conteúdo em um canal televisivo. Além disso, eles também trazem um anúncio-campanha de uma página dizendo "TV turn off ...scape the fantasy" (desligue a TV ... escape da fantasia). Quem quiser que confira, por sinal com um design muito bom, aplausos para eles.

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